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A Teoria da Evolução… revista? – O pensamento evolutivo de volta ao ringue da controvérsia e da disputa científica

by em outubro 27, 2014

Texto escrito por Ivan Dias, Laboratório de Evolução Marinha (LEM/USP)/Laboratório de Biologia Evolutiva do Desenvolvimento (EvoDevo Lab/USP), Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo (IB-USP), aluno de Federico Brown, USP.

Estes parecem ser tempos controversos para os biólogos evolutivos. De acordo com um comentário recentemente publicado na renomada Nature, uma revista científica semanal, pesquisadores estão divididos sobre quais processos devem ser considerados fundamentais para a evolução.

A atual Teoria da Evolução foi forjada entre as últimas décadas do século 19, com os importantes trabalhos de Charles Darwin (1859–1872), e os anos 1930 e 1940, quando vários estatísticos e geneticistas combinaram o conceito darwinista de seleção natural com os campos emergentes da genética e, em menor escala, da paleontologia e da sistemática, em um consenso sobre como ocorre a evolução biológica. A chamada “síntese moderna”, ou neodarwinismo, lançou as bases teóricas que permitiram que o processo evolutivo passasse a ser descrito matematicamente, como mudanças nas frequências de variantes genéticas em uma população, ao longo do tempo.

De acordo com essa síntese moderna, novas variações surgem através de mutações genéticas aleatórias, a herança ocorre através do DNA e a seleção natural na luta pela vida torna alguma(s) dessas variações adaptativas mais comuns, por meio da sobrevivência e reprodução diferenciais. A seleção natural é a única causa de adaptação, processo através do qual as espécies se tornam bem adaptadas aos seus ambientes. Esta síntese moderna ainda reconhece a importância de outros processos como a deriva genética – mudanças aleatórias na frequência das variantes genéticas devido à amostragem – e o fluxo gênico entre as populações, responsável pela entrada ou saída de variantes de uma população, via migração, dispersão ou acasalamento.

Alguns pesquisadores, no entanto, argumentam que essa síntese é “genocêntrica” (centrada nos genes) e “não consegue captar toda a gama de processos que direcionam a evolução”. De acordo com esses biólogos, há algumas peças faltantes na atual teoria da evolução, que incluem vários processos importantes, mais recentemente descritos e evidenciados por diferentes áreas das ciências biológicas, como a biologia do desenvolvimento e a ecologia evolutiva.

Dois desses processos evolutivos importantes seriam os viéses de desenvolvimento, que significam que o desenvolvimento físico influencia a geração de variação – processos de desenvolvimento que orientam as formas dos organismos ao longo de vias particulares; e a plasticidade fenotípica, ou como o ambiente molda diretamente as características dos organismos: novas formas, potencialmente funcionais, são induzidas pelo ambiente e posteriormente estabilizadas pela seleção.

Outros processos candidatos à essa atualização, de acordo com esses pesquisadores, são a construção de nicho, ou como os organismos modificam sistematicamente os recursos ambientais de forma que impõem desvios sobre a evolução e o desenvolvimento de seus descendentes, das barragens construídas pelos castores aos solos processados por vermes – e a herança inclusiva, ou como os organismos transmitem mais do que genes através das gerações, podendo herdar uma grande variedade de materiais de seus antepassados, incluindo marcas epigenéticas (alterações químicas que alteram a expressão do DNA, mas não a seqüência de bases subjacente), hormônios, simbiontes, comportamento socialmente transmitido nos animais (conhecimentos e habilidades aprendidas) e legados ecológicos (estruturas e condições ambientais alteradas que os organismos deixam a seus descendentes através da construção de nicho). Essas heranças têm grande influência sobre a fertilidade, a longevidade e a resistência a doenças nos mais diversos táxons.

Outros biólogos evolutivos, embora reconhecendo a sua importância, afirmam que esses quatro processos não precisam de uma atenção tão especial a ponto de merecerem uma revisão da atual teoria da evolução sob o nome de uma “síntese evolutiva estendida”. De acordo com eles, esses processos não são negligenciados pelos biólogos evolutivos e já estão bem integrados à estrutura conceitual da area. Quanto à crítica de que a teoria da evolução atual é “genocêntrica”, os defensores da síntese moderna argumentam que, de fato, os genes são fundamentais, com as mudanças no material hereditário sendo uma parte essencial dos processos de adaptação e especiação. Os processos que os revisores defendem só podem participar na evolução, se houver variação genética associada a eles. Parece que o que ainda importa, afinal, são as diferenças hereditárias das variantes, especialmente as que conferem alguma vantagem seletiva – e, portanto, o argumento central da teoria da evolução de Darwin permanece.

E você, de que lado dessa controvérsia científica você está?

Laland, K. et al. 2014 Does evolutionary theory need a rethink? Nature 514, 161–164.

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2 Comentários
  1. Jonas permalink

    Li o artigo publicado na Nature. Concordo em número, gênero e grau com o paper. Acredito que precisamos acompanhar as novas descobertas. Eva Jablonka e Douglas Futuyma assinam esse artigo.

  2. Acho que é por eu não gostar dessa visão binária (“de que lado você está”) que acredito que a visão estendida, por abrigar novos conhecimentos e não deixar de lado o que já é bem estabelecido (na síntese moderna), seja a mais interessante. Acredito que o futuro dos estudos evolutivos será bem por ai mesmo.

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