Pular para o conteúdo

Dois genomas para construir um organismo, a incomum história de Xenopus laevis

by em novembro 21, 2016

Por Mateus Berni, Laboratório de Biologia Molecular do Desenvolvimento (Helena Araujo’s Lab), Programa de Ciências Morfológicas (PCM, Instituto de Ciências Biomédicas), Universidade Federal do Rio de Janeiro

O genoma da rã africana Xenopus laevis, um dos anfíbios mais comuns em laboratórios de pesquisa e organismo utilizado em importantes descobertas científicas na área de biologia celular e biologia do desenvolvimento acaba de ter seu genoma sequenciado. O estudo liderado por cientistas da Universidade da Califórnia Berkeley (EUA) e da Universidade de Tóquio (Japão), contou com a participação de cientistas de inúmeros outros países e foi matéria de capa da revista “Nature” (20 Outubro 2016)

O estudo lança luz em relação à origem da espécie e da poliploidia (possuir mais do que dois pares de cromossomos homólogos) de Xenopus, sendo essa descoberta incomum entre os vertebrados. Dados moleculares sugerem que uma espécie ancestral diplóide de Xenopus se divergiu de outra há aproximadamente 34 milhões de anos. Essas duas populações ancestrais de Xenopus, se tornaram duas espécies distintas, denominadas figurativamente aqui de espécie A e espécie B,  e evoluíram independentemente por 17 milhões de anos. Não se sabe ao certo o porquê essas duas espécies se intercruzaram, mas deste intercruzamento originou-se Xenopus laevis, uma espécie tetraplóide, ou seja, com quatro cópias de cada cromossomo, duas vindas de cada espécie (veja a extended figure 1a do artigo original para as possíveis causas da poliploidização).

Como os cientistas chegaram a esta conclusão? Uma das evidências se baseia em sequências parasitas chamadas elementos transponíveis, que são sequências que se inserem randomicamente no DNA. Durante o tempo em que as espécies A e B evoluíram independentemente, os cromossomos destas espécies foram parasitados por diferentes famílias de elementos transponíveis. E mesmo após a fusão das espécies, os diferentes cromossomos das espécies A e B não se misturaram. Desta forma, durante o sequenciamento do genoma, algumas famílias de elementos transponíveis estavam presentes somente em um grupo de cromossomos chamado L, associado à espécie A, e outras famílias de elementos transponíveis infectaram apenas o grupo denominado S, associado à espécie B. É isto mesmo, mesmo tendo passado aproximadamente 17 milhões de anos da fusão entre as espécies, ainda é possível identificar a origem de cada conjunto de cromossomos.

Agora que o novo organismo possui 2 conjuntos de cromossomos, isto é, cerca de duas vezes mais genes que as espécies ancestrais, o que acontece com o “excesso” de genes em um organismo poliplóide? Uma série de artigos afirmam que genes com a mesma função em um organismo poliplóide são rapidamente covertidos à cópias simples, através de mutações ou deleções em um dos genes duplicados, exceto quando adquirem novas funções. Desta forma, apenas deixando o tempo atuar sobre um organismo poliplóide, ocorreria um processo de diploidização, isto é, a perda da maioria dos elementos redundantes. Em Xenopus, por outro lado, mais de 56% dos genes foram mantidos em ambos os grupos cromossômicos (L e S). Esta incrível retenção de genes duplicados fez com que fossem encontrados mais de 45 mil genes no genoma de X. laevis, ante cerca de 25 mil genes no genoma humano.

Um dos pontos mais interessantes do artigo mostra que estes grupos de cromossomos estão evoluindo assimetricamente em relação ao outro. Quando o genoma de X. laevis é comparado com uma espécie diplóide próxima chamada Xenopus tropicalis, nota-se que enquanto o grupo cromossômico L perdeu cerca de 8,5% dos genes, o grupo S perdeu mais de 31,5 % dos genes, quase quatro vezes mais deleções. Fato diferente do que ocorreu com o a truta arco-íris, outro organismo tetraplóide que teve seu genoma sequenciado, e que apresentou uma perda gênica uniforme entre entre seus cromossomos. Além disto, quando se analisa a sintenia dos cromossomos, isto é, a ordem dos genes entre os três conjuntos gênicos: Xenopus tropicalis, X. laevis conjunto L e X. laevis conjunto S, é encontrada uma grande similaridade entre as posições dos genes do cromossomo de X. tropicalis com o conjunto L de X. laevis, já o conjunto S de X. laevis além de apresentar um maior número de deleções, apresenta uma série de translocações, isto é, inversões em porções dos cromossomos (figura 1). Veja que interesante, mesmo após a união do genoma de duas espécies distintas em um mesmo núcleo, seus respectivos cromossomos continuam a evoluir separadamente, sendo que aparentemente o conjunto L mantém a condição ancestral e S apresenta maior número de modificações.

Outra importante descoberta do estudo, foi sobre as diferentes taxas de retenção e perda de genes em relação às suas funções. Genes envolvidos na regulação gênica, por exemplo fatores de transcrição, tiveram um alta taxa de retenção (>90%), sendo que 37 dos 38 genes do grupo homeobox foram mantidos. Por outro lado, genes envolvidos no reparo do DNA e genes relacionados ao metabolismo tiveram uma taxa de deleção mais alta. Estes dados indicam que genes onde a dose é importante, isto é, onde os níveis de expressão precisam ser finamente controlados, a taxa de retenção é mais alta, e em genes onde o fino controle da taxa de expressão não é extremamente essencial,  a taxa de perda gênica é mais elevada.

O dados do genoma de X. laevis levanta uma série de hipóteses, entre elas, de que o “excesso” de DNA não é tão danoso para um organismo, e a taxa de deleção do “excesso de informação” é extremamente lenta, o que confere tempo para que essas sequências redundantes possam adquirir novas funções. O sequênciamento do genoma de outros organismos poliplóides pode fornecer inúmeras pistas sobre a evolução do genoma dos vertebrados, visto que existem fortes evidências de que neste grupo ocorreram dois processos de poliploidização no início de sua irradiação, há cerca de 500 milhões de anos.

 

xenopus-copy

Figura 1. Arranjo sintênico do cromossomo 2 de X. tropicalis (XTR) e dos dois grupos cromossômicos de X. laevis (XLA2L e XLA2S). Note que o cromossomo de X. tropicalis apresenta grande conservação entre a ordem dos genes com o conjunto de cromossomos L de X. laevis, e  já o conjunto S de X. laevis, apresenta rearranjos e deleções na organização cromossômica. Nota:homeólogo são cromossomos parcialmente homólogos, com uma ancestralidade em comum. Adaptado de Session et al 2016

Leia mais em: http://www.nature.com/nature/journal/v538/n7625/abs/nature19840.html

 

 

From → Uncategorized

Deixe um comentário

Deixe um comentário